Para Ryan Bohl, analista sênior de geopolítica na consultoria americana RANE, maior ameaça está em ações individuais ou de grupos menos organizados
O atentado a tiro contra o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante comício no último sábado (13), em Butler (estado da Pensilvânia), reforçou as atenções de analistas sobre os riscos de episódios de violência política durante a corrida pela Casa Branca − e mesmo após a escolha do novo líder da maior economia do mundo.
A consultoria americana de risco geopolítico RANE trabalha com cinco cenários monitorados para a questão, que vão desde um aprofundamento da polarização política no país, mas com poucos incidentes violentos, até o aumento de episódios de ataques relacionados ao processo eleitoral.
Para os especialistas, as maiores ameaças estão em ações individuais − como o caso de Thomas Matthew Crooks, responsável pelo disparo que acertou de raspão a orelha direita de Trump − ou de grupos menos organizados − mais difíceis de monitorar.
“Na nossa linha de análise, atores individuais, como lobos solitários como este com uma arma, serão as ameaças mais relevantes”, avalia Ryan Bohl, analista sênior da RANE.
“Alguém tentando construir uma bomba no porão de casa, alguém tentando impetrar um tiroteio durante um ato de campanha política: essas são as situações mais prováveis que poderiam acontecer adiante. Há um risco de as pessoas tentarem escalar [os episódios violentos] ao longo da campanha”, prossegue.
“O FBI e a NSA são muito bons em monitorar grupos organizados. Todas as milícias organizadas são acompanhadas. Elas não conseguem mobilizar em Washington. Mas é muito difícil seguir movimentos de base, como apoiadores de Trump aparecendo em um ônibus, porque eles não têm um líder − eles simplesmente aparecem. Se alguns levam armas e outros não, é muito difícil monitorar”. Essa será a maior ameaça, desde que o serviço de segurança neste país continue capaz”, diz.
O atentado contra Trump, às vésperas da Convenção Nacional Republicana, não é inédito na história dos Estados Unidos. Há um rol extenso de candidatos vítimas de ataques durante a disputa pela Casa Branca.
O cientista político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisa Quaest e professor da UFMG, listou, em postagem feita na rede social “X” (o antigo Twitter), 10 episódios de atentados a presidentes ou candidatos nos EUA. Quatro deles morreram: Abraham Lincoln (1865); James Garfield (1881); William McKinley (1901); e John Kennedy (1963).
Para Bohl, deve ser considerado o risco de ampliação dos alvos de ações violentas neste processo eleitoral − não apenas Donald Trump e o atual presidente Joe Biden, que deve disputar a reeleição pelo Partido Democrata, mas também parlamentares, governadores e juízes, como já aconteceu no passado.
“Há um sentimento nesse país propício para protestos violentos, tumulto e revoltas ausentes de liderança organizada”, diz o analista. Ele lembra de pesquisas que apontam para a expectativa de eleitores americanos por episódios violentos no pleito de 2024 e grupos que se dizem dispostos a apoiar movimentos sob determinadas circunstâncias.
“Como resultado, isso abre a porta em que você precisa de um ‘evento gatilho’, algum tipo de incidente, que mobilize esses grupos preexistentes de pessoas”, diz.
Uma vez concluído o processo eleitoral, Ryan Bohl também chama atenção para o risco de novos episódios violentos, como a própria invasão ao Capitólio (sede do congresso americano) em 6 de janeiro de 2021, e sustenta que isso depende da narrativa estabelecida sobre o pleito para os mais diversos públicos. Isso envolve, por exemplo, a percepção do resultado como legítimo ou não.
“Se tivermos uma versão de 2020, em que Trump rejeita sua derrota, há um risco elevado de violência na direita, e, potencialmente, uma resposta violenta da esquerda”, exemplifica.
“É muito difícil dizer com alguma certeza, mas há um risco mais elevado nesse ciclo [eleitoral]“, diz o especialista. Tal avaliação se sustenta em dois motivos principais: 1) esta pode ser a última tentativa de Trump para voltar ao poder, em razão de sua idade (78 anos); 2) a morosidade da justiça em analisar o caso da invasão ao Capitólio pode gerar incentivos para que episódio similar ocorra.
Bohl sustenta, por fim, haver uma narrativa construída entre grupos de eleitores republicanos de que o pleito de 2020 foi “roubado” e a história poderia se repetir em 2024. “É difícil vê-los abandonando essa ideia”, diz.
Em contraste com o favoritismo crescente de Trump na avaliação de especialistas, uma derrota pode acirrar os ânimos entre seus apoiadores. Se, por um lado, as forças de segurança podem ter tirado lições da invasão ao Capitólio, por outro, a base fiel a Trump está mais organizada e conectada, com condições de se mobilizar mais rápido − o que pode aprofundar riscos em um ambiente de intensa polarização política.